Bolsonarismo: Franquia ou Espólio?
- Editor BN

- 1 de dez.
- 4 min de leitura
Às vésperas de mais um ano eleitoral no Brasil, enquanto o país tenta fingir que é normal viver permanentemente em clima de campeonato nacional de tretas ideológicas, e, até de uma autofagia eleitoral, um fenômeno curioso se apresenta no campo da direita brasileira - especialmente naquele fragmento mais exaltado que há anos grita “MITO” como quem fecha com uma seita religiosa em uma espécie de marketing multinível.
Agora, com Jair Bolsonaro definitivamente fora da disputa majoritária - por força de decisões judiciais tão irreversíveis quanto o bloqueio do cartão num jantar caro - surge a grande questão filosófico-empresarial que divide o campo político dos direitistas brasileiros: o bolsonarismo é uma franquia… ou um espólio?

O que é uma franquia?
A definição é simples: franquia é um modelo de negócio no qual quem detém a marca concede a outros a chance de usá-la, seguir seus métodos, seu know-how e vender sua imagem. Em troca, paga-se uma taxa, segue-se o padrão e recebe-se suporte, treinamento e marketing unificado. Uma espécie de “combo premium” de repetição.
Perfeito. Agora olhe para o cenário político.
Temos filhos, ex-ministros, apoiadores, influenciadores, prefeitos, governadores e ex-candidatos à presidência se posicionando como se dissessem: “Eu sou o franqueado oficial do mito! Quem quiser aderir, favor respeitar o manual de operações e pagar o royalty emocional em lives semanais.”
A briga é para ver quem está mais habilitado a instalar uma filial do “Bolsonarismo” no seu estado ou município. Cada um apresenta-se como investidor:
– “Tenho lealdade irrestrita ao presidente e capacidade comprovada de gerar engajamento no X (o antigo Twitter).”
– “Replico discursos originais sem alterar uma vírgula e sem pagar direitos autorais.”
– “Adoto protocolos de comunicação da franqueadora: conflito permanente, retórica de guerra cultural e vídeos em pé com a mão no coração.”
O projeto político vira, assim, um fast-food ideológico: se você segue o padrão da marca, está autorizado a vender o combo.
O problema é que, para existir franquia, é preciso haver uma franqueadora sólida, uma matriz operante, uma empresa central que dá suporte. E nesta altura… a “matriz” está juridicamente fechada para reformas por tempo indeterminado.
Mas e se não for franquia? E se for… espólio?

Espólio é aquilo que fica quando alguém morre - não necessariamente a pessoa, mas também a viabilidade política, a elegibilidade ou o protagonismo. Ele é composto por bens, direitos e dívidas. E convenhamos: nada descreve melhor o momento do bolsonarismo político do que essa definição.
Se olharmos com atenção, vemos:
Bens:
– Capital político entre nichos radicais;
– Engajamento digital robusto;
– Memória afetiva de seus seguidores;
– Acervos de lives, motociatas e frases de efeito reaproveitáveis.
Direitos:
– O direito de dizer “eu sou o herdeiro legítimo do mito”;
– O direito de usar a estética, as cores e o tom pastoral-militar de campanha;
– O direito de reivindicar ser o “novo Bolsonaro” sem ser processado por plágio.
Dívidas:
– Passivos jurídicos que ainda se acumulam;
– Rejeição significativa em amplos setores da sociedade;
– O legado de um país dividido ao meio;
– Uma lista de investigações que faria qualquer inventariante chorar.
E sim, há também um inventariante - ou melhor, vários potenciais inventariantes - cada um tentando administrar o que sobrou dessa herança política peculiar. O processo está em plena disputa: quem paga as dívidas políticas? Quem herda os votos? Quem assume os ônus? Quem fica só com o bônus?
A briga de família
Como todo espólio valioso, logo surgiram conflitos. Em qualquer inventário brasileiro, sempre tem:
– o herdeiro que “sempre esteve ao lado do pai”;
– o que “sumiu por anos mas voltou na hora da partilha”;
– o que “jura que merece mais porque foi o mais fiel”;
– e os agregados que alegam ter sido “considerados como filhos”.
No bolsonarismo não é diferente. A família disputa espaço. Os aliados disputam narrativas. Os ex-ministros disputam público. E os oportunistas disputam… tudo o que puderem. Uma verdadeira sucessão política com clima de novela das nove.
Franquia ou espólio?

Se for franquia:
O bolsonarismo continuará sendo replicado como modelo de negócio eleitoral. Haverá treinamento, padrões, diretrizes e uma linha de produção ideológica. Os “franqueados” vão se apresentar como continuadores oficiais da marca - mesmo sem o franqueador poder assinar o contrato.
Se for espólio:
O bolsonarismo será dividido, fragmentado e consumido pelos herdeiros legítimos e autoproclamados. Cada um ficará com um pedaço: os votos mais fiéis, as pautas morais, o discurso anticorrupção, as polêmicas, os símbolos e até as polêmicas não reclamadas por ninguém.

Na verdade… Ele é os dois.
Para uns, é espólio - algo que restou depois da inabilitação política definitiva.Para outros, é franquia - um negócio eleitoral lucrativo demais para ser abandonado.
E assim seguimos para mais uma eleição no Brasil, onde a direita tradicional apelidada de “Centrão” briga com a extrema-direita, que briga consigo mesma, que briga com os ex-extremistas arrependidos, que brigam com os novos extremistas licenciados.
O país pergunta:
“Quem herdará o bolsonarismo?” E a resposta, dada por todos os envolvidos, é sempre a mesma: “Eu!”
Se existe uma lei de franchising e uma lei de inventários, talvez esteja na hora de criar também a Lei Geral da Sucessão Política do Mito. Porque do jeito que vai, muito antes da urna chegar nos postos de votação, a herança já virou litígio - e a franquia, pirâmide.





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