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Nero e Trump - dois incendiários

  • jornaldeapoioedito
  • 3 de abr.
  • 2 min de leitura

A história da humanidade é repleta de líderes que, de maneira deliberada ou não, encarnaram o papel de incendiários - quer seja no sentido literal, quer seja no sentido metafórico. O imperador romano Nero e o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump compartilham, em épocas e contextos distintos, características de governantes cujas ações carregam um misto de audaciosa loucura, e um desejo aparentemente insaciável por deixar uma marca na história.


Nero, que reinou entre os anos de 54 e 68 d.C., é frequentemente associado ao grande incêndio de Roma em 64 d.C. Se, de fato, teve responsabilidade direta na catástrofe ou não, é algo que a historiografia ainda debate. No entanto, sua resposta ao incêndio evidencia um governante disposto a reconfigurar Roma conforme seus próprios desejos, ainda que para isso tenha sido necessário encontrar um bode expiatório: os cristãos. A perseguição violenta a esse grupo serviu a Nero como justificativa para seus atos e como um artifício para manter sua popularidade junto a determinados segmentos da sociedade romana.

 

Séculos depois, Donald Trump assume a presidência dos Estados Unidos e, já nos primeiros meses de mandato, inicia uma série de medidas protecionistas que desafiam a ordem econômica global estabelecida. Seu tarifaço comercial, decretado como um suposto “dia da libertação”, sugere que os EUA estavam de alguma forma oprimidos por seus parceiros comerciais. Trata-se de uma retórica que ressoa na política do medo e na construção de um inimigo externo, à semelhança do que Nero fez ao culpar os cristãos pelo incêndio de Roma.

 

O paralelo entre Nero e Trump transcende a simples comparação de personalidades extravagantes. Ambos se valem da manipulação da narrativa histórica para justificar suas ações e consolidar seu poder. Nero, ao acusar os cristãos, encontrava um grupo vulnerável a ser sacrificado no altar da opinião pública. Trump, ao adotar medidas econômicas extremas e polarizadoras, tentava reafirmar um nacionalismo econômico baseado na ilusão de um passado glorioso que deveria ser restaurado.

 

No entanto, assim como Roma não emergiu das cinzas como Nero imaginava, os Estados Unidos, sob a política isolacionista de Trump, viram-se diante de um mundo cada vez mais multipolar e menos dependente de sua hegemonia. O fogo que deveria purificar Roma e permitir sua reconstrução segundo os caprichos de Nero acabou por se tornar um símbolo de sua decadência. Da mesma forma, as políticas de Trump, ao invés de reforçar a primazia estadunidense, aceleraram um processo de declínio relativo, permitindo a ascensão de novas potências e alianças que minam o antigo domínio unipolar estadunidense.

 

A história, em sua circularidade peculiar, nos ensina que líderes que se valem da destruição como método raramente colhem os frutos que esperavam. Seja nas ruínas de Roma, seja na erosão da influência americana, a loucura de governantes incendiários acaba, invariavelmente, por consumir a própria chama que os sustentava.



 

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