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O Pirata do Caribe

  • Foto do escritor: Editor BN
    Editor BN
  • há 16 minutos
  • 5 min de leitura

Há muito tempo o imaginário popular reservou aos mares do Caribe a figura do pirata beberrão, com trajes esfarrapados e um senso de moralidade mais flexível que vela de navio em tempestade. Mas, ironicamente, o século XXI nos presenteou com uma releitura inesperada desse arquétipo: Donald Trump, o mais novo e extravagante “Pirata do Caribe” - não pelas espadas rum ou tesouros enterrados, mas pela prática renovada da velha pirataria imperial.

 

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Sim, leitor: o corsário do século XXI não navega em galeões, mas em porta-aviões; não saqueia cofres coloniais, mas reservas internacionais; não ergue bandeiras negras, mas bandeiras estreladas com discursos de “liberdade” colados com fita adesiva ideológica.

 

Do Big Stick ao Big Steal (1)

 

A história é pródiga em registrar a longa tradição do Tio Sam em tratar a América Latina como seu quintal. Theodore Roosevelt inaugurou o método: um porrete grande, um sorriso curto, e intervenções longas. Desde então, sucessivas administrações lapidaram essa política como verdadeira arte - golpes de Estado, invasões, sanções, embargos, e “operações de libertação” tão sutis quanto um canhão disparado a curta distância.

 

América para os americanos”, dizia a Doutrina Monroe (2), mas todos sabíamos que a nota de rodapé escondida em letras minúsculas era: “…e a América Latina para os americanos do norte, claro.”

 

Se algum líder latino ousasse respirar autonomia, imediatamente era ungido com os santos óleos do rótulo da vez. No século XX, era “comunista”. Depois, “corrupto”. Hoje, “narcoterrorista”. A criatividade não muda; apenas o marketing.

 

A imprensa e a classe média: A tripulação sempre pronta

 

Toda pirataria precisa de bons cúmplices. A imprensa corporativa, alinhada aos barões locais - herdeiros emocionais das capitanias hereditárias - sempre esteve pronta para justificar cada golpe como “necessário para preservar a democracia”. Democracia esta que só floresce quando regada pelos dólares de Washington.

 

A classe média brasileira, eternamente iludida com sua suposta proximidade ao paraíso dos ricos, aplaudiu tanques em 1964, aplaudiu o golpe no Chile em 1973, aplaudiu o golpe contra Dilma Rousseff em 2016, e vai aplaudir qualquer líder que se curvar às ordens do Tio Sam e bater continência para a bandeira dos EUA. Democracia, para eles, é quando o governante for submisso a Washington e as ações governamentais forem para manter os de baixo lá embaixo.

 

Venezuela: O baú do tesouro que o pirata não consegue abrir

 

E então chegamos ao capítulo mais recente dessa ópera bufo-geopolítica: a Venezuela. Um país com reservas colossais de petróleo (para alguns, maior que Arábia Saudita) - e, portanto, destinado inevitavelmente a ser alvo do faro apurado dos piratas modernos.

 

Quando Hugo Chaves e Nicolás Maduro não se ajoelharam, veio o cerco:

  • sanções que congelaram US$ 130 bilhões;

  • bloqueio de exportações;

  • sabotagem econômica;

  • reconhecimento de um “presidente interino” (Juan Guaidó) tão legítimo quanto pirata aposentado vendendo mapas falsos de tesouro na praia.

 

Trump - já mergulhado em sua fantasia de capitão corsário - enviou navios para interceptar petroleiros iranianos destinados à Venezuela. Era como assistir a um reboot do século XVIII: bandeiras ao vento, mar agitado e o Tio Sam de tapa-olho, tentando agarrar qualquer barril de petróleo com a destreza de um Jack Sparrow sem talento cômico.

 

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Se isso não é pirataria, o que é?

 

Dólar: A espada da perversão econômica

 

A verdadeira lâmina desse pirata, porém, não é de aço: é o dólar.Uma moeda transformada em arma de guerra, usada para punir países que ousam desafiar o Império. Cada sanção é um ataque cirúrgico que desvaloriza economias, destrói empregos e cria crises humanitárias - tudo em nome da “liberdade”.

 

Liberdade para quem?

 

Para as petrolíferas, para os banqueiros, para os mesmos que sempre lucraram com o sofrimento alheio.

 

A Derrocada: Quando o pirata perde o mar

 

Mas o mundo muda - e rapidamente. A China, primeira parceira comercial do Brasil, expande sua influência; a Rússia altera tabuleiros inteiros; o BRICS, agora com 10 membros, propõe moedas paralelas. O antigo império percebe que o mar não lhe pertence mais.

 

E Trump?

Em vez de navegar com sabedoria, bate o navio no primeiro rochedo por pura teimosia. Tarifas protecionistas isolam os Estados Unidos, enquanto América Latina, África e Oriente Médio buscam caminhos alternativos.

 

O pirata grita, esperneia, ameaça. Mas sua bússola não aponta mais para o norte - aponta para o declínio.

 

Latino-americanos: De tripulação saqueada a capitanias livres

 

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Brasil e México, entre outros, condenam publicamente os ataques a embarcações venezuelanas. Países antes submissos agora erguem a voz. Afinal, todos sabem que a obsessão estadunidense nunca foi pela democracia - foi sempre pelo petróleo, pelo lítio, pela soja, pela Amazônia. Quando não conseguem via golpes, tentam via roubo direto - pirataria!

 

E assim o “Regime Trump” escorrega para sua fase mais caricata: um corsário frustrado tentando manter à força um império que naufraga.

 

Conclusão: Entre o saque e o naufrágio

 

A América Latina precisa decidir se continuará como espectadora passiva ou se finalmente assumirá o leme da própria história. O Pirata do Caribe pode brandir sua espada, pode agitar sua bandeira, pode ameaçar, sancionar e gritar - mas o mar está mudando, e os ventos sopram de outra direção.

 

E se os EUA insistirem em tratar nosso continente como quintal, que pelo menos entendam que o quintal latino agora tem dono. E, sobretudo, tem memória. No fundo, o que pretendem em relação à Venezuela é fazer o mesmo que fizeram com Cuba usando o dólar como arma. Se pudessem, fariam o mesmo com todos os países do nosso continente.

 

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Enquanto isso, Trump permanece em sua caricatura máxima: o pirata que tenta saquear um navio que não está mais à deriva - está apenas mudando de porto. E a história, implacável como as ondas, já prepara o epitáfio do império:

 

Aqui jaz o corsário do Tio Sam - derrotado não por armas, mas pela própria arrogância”.

 

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NOTAS

(1) - Big Stick (Grande Porrete)

A política do Big Stick, ou "Diplomacia do Grande Porrete", foi a abordagem de política externa adotada pelo presidente dos EUA Theodore Roosevelt no início do século XX. A frase que a resume é: "Fale com suavidade, mas carregue um grande porrete" 

- Big Steal (Grande Roubo)

"Big Steal" não é um termo formal de política ou uma doutrina histórica, mas uma expressão informal em inglês que significa "grande roubo" ou "grande golpe". É frequentemente usada de forma pejorativa. 


(2) - Doutrina Monroe.

Política externa dos EUA (1823) que com o lema "América para os americanos", defendendo a soberania das nações americanas e estabelecendo a região como esfera de influência estadunidense sendo a América Latina um "quintal" dos EUA

 

 

 

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