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Entre a cruz e o fuzil: O Evangelho diante das execuções no Rio de Janeiro

  • Foto do escritor: Carlos Moraes
    Carlos Moraes
  • 2 de nov.
  • 3 min de leitura

Vivemos tempos em que a barbárie tenta se disfarçar de justiça. A recente operação policial no Rio de Janeiro, que resultou em mais de cento e vinte mortes sumárias, reacende uma ferida moral e espiritual no coração do país. Essas vidas ceifadas - muitas delas classificadas de imediato como criminosas - sem julgamento, sem defesa, sem o devido processo legal. O discurso de que “bandido bom é bandido morto” volta a ecoar com força, inclusive entre aqueles que afirmam seguir o Cristo da cruz.

 

Mas o que Jesus diria sobre isso? A história nos responde. Ele também foi condenado e executado sem julgamento justo, entre dois criminosos. E foi ali, no Gólgota, que o Filho de Deus nos revelou a mais profunda lição de graça e justiça: diante do arrependimento sincero de um dos malfeitores, Jesus respondeu: “Em verdade te digo que hoje estarás comigo no Paraíso.” (Lucas 23.43)

 

Naquele instante, o Salvador não perguntou sobre o passado do homem, nem exigiu provas de sua mudança. Viu arrependimento - e ofereceu perdão. Essa é a essência do Evangelho: restaurar o que está perdido, transformar o pecador e afirmar o valor inalienável da vida humana.

 

Quando o Estado substitui a justiça pela execução, e quando o cristão aplaude o sangue derramado, ambos se afastam do espírito de Cristo. A Palavra é clara: “Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia.” (Mateus 5.7)

 

Não há bem-aventurança na vingança. Não há vitória na morte. A violência estatal, ainda que travestida de eficiência, não constrói paz, apenas perpetua o ciclo da destruição. O crime precisa, sim, ser combatido - com firmeza, mas também com legalidade, responsabilidade e humanidade. O apóstolo Paulo nos lembra que a autoridade é constituída “para punir o que pratica o mal” (Romanos 13.4), não para promover o mal em nome da ordem.

 

Os números apresentados pela Polícia Civil do Rio de Janeiro mostram a complexidade do cenário: criminosos de alta periculosidade misturados a investigados sem prova concreta e até inocentes sem qualquer vínculo com o tráfico, além de policiais inexperientes com pouco tempo de serviço prestado. Esse dado por si só já denuncia a urgência da prudência. A justiça que mata antes de ouvir não é justiça - é vingança institucionalizada. É demonstração de que o crime está mais organizado do que o Estado.

 

Jesus nunca incentivou a eliminação do pecador, mas a sua conversão. O cristianismo não é uma fé de extermínio, e sim de reconciliação. Quando a sociedade aceita a morte como solução, declara falência moral e espiritual. O Evangelho ensina que o verdadeiro poder está na transformação do coração, não na força do gatilho.

 

Os cristãos batistas, herdeiros de uma tradição que valoriza a liberdade de consciência e a dignidade da pessoa, não podem compactuar com a lógica da execução sumária. Nossa fé repousa sobre o princípio da regeneração - de que o homem, por pior que seja, pode ser alcançado pela graça redentora. Negar essa possibilidade é negar o próprio Evangelho.

 

Não se trata de defender criminosos, mas de defender princípios. Os mesmos princípios que levaram Jesus à cruz e não ao trono da vingança. O Cristo crucificado entre dois malfeitores continua sendo o paradigma de toda justiça: firme contra o pecado, mas compassivo com o pecador.

 

Como igreja e como sociedade, precisamos reafirmar o valor da vida. O Brasil não precisa de mais sangue nas ruas, mas de mais justiça nos tribunais, mais oportunidade nas comunidades e mais amor nos corações. Porque matar não é vencer. É confessar que fracassamos como povo e como nação.

 

Não te deixes vencer do mal, mas vence o mal com o bem.” (Romanos 12.21).

Eis o chamado do Evangelho - entre a cruz e o fuzil, que o cristão escolha sempre a cruz.

 

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